sexta-feira, 4 de maio de 2007

Lutando pelo desconforto

E finalmente Raquel se viu sozinha na sala. Toda a louça já havia sido recolhida e aquela altura todos os convidados já tinham ido embora. Com a luz acesa, os móveis arrastados e sem os quase 60 amigos que estiveram por lá naquela noite a sala estava fria e vazia, parecia enorme.
Seus pensamentos também. Tentando lutar contra a fina dor de cabeça que parecia se aproximar Raquel resolveu tentar dormir. Já eram 3:30 da manhã quando ela botou a cabeça no travesseiro, nessa hora, como em uma onda, ela foi tomada por dezenas de questionamentos.
Ela nem de longe fazia o tipo de menina dada a celebração de marcos meramente temporais, mas não havia como negar que aqueles 21 anos estavam mexendo com ela. Não pela definitiva maioridade – aquilo em quase nada mudaria sua vida – mas pelas decisões que estavam para serem feitas.
Se via a cada hora mais perto da formatura e a cada minuto mais longe de saber qual caminho seguir. Vivia uma relação e admiração e desprezo para com aqueles seus amigos que sempre souberam qual era a sua vocação. Admiração pois eles desde cedo tinham segurança da escolha poderiam se desenvolver muito mais naquilo; e desprezo pois se sentia capaz de fazer de tudo e não se limitar pra sempre a uma só coisa.
Percebendo que aqueles pensamentos a estavam levando para cada vez mais longe de dormir Raquel resolveu lembrar os momentos divertidos que vivera aquela noite enquanto o sono não chegava. E, de repente viu que por mais importantes que fossem todas aquelas pessoas na sua vida estava na hora de ela anda sozinha, de trilhar seu próprio caminho. Qual? Começou a se perguntar onde estaria em um ano ou dois e a falta de resposta foi minando a sua face sempre confiante e revelando uma menina insegura.
Olhava pro seu trabalho e sabia que muita coisa precisaria mudar pra que ela chegasse mais perto dos seus sonhos mas essas mudanças implicariam em um recomeço. O recomeço a assustava.
Se via ao mesmo tempo tão criança e tão adulta. Seus conceitos e princípios estavam cada vez mais rígidos e se via capaz de julgar pessoas e coisas que jamais imaginara pouco tempo antes. E isso trazia de volta, com toda a força, sua segurança. Era capaz de rir e chorar com muita força, mas raramente fazia qualquer um dos dois. As emoções eram controladas. Seu passado era ao mesmo tempo aliado e inimigo.
As 4:45 da manhã e, agora, com muita dor de cabeça, Raquel resolveu dar um tempo naquela tormenta de dúvidas e botar pra tocar um playlist que seu primo lhe dera de presente. Sabia que seus gostos musicais não eram muito semelhantes mais queria só uma música pra ocupar sua cabeça. Ligou a música e foi deitar. Em menos de 10 minutos seu pai apareceu atônito na porta do quarto de pijama e descabelado perguntando que diabos de música era aquela, àquela altura e àquela hora. Mandou desligar imediatamente e que fosse dormir.
Raquel obedeceu com um sorriso no rosto. Como era confortável ter alguém pra sempre lhe dizer o que fazer. Sabia que era contra essa vida confortável que ela lutava, mas com a dor de cabeça que estava não pensar no que fazer por uns instantes foi ótimo.

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