(Achado de uns meses atrás)
Tenho trabalhado tanto, mas sempre penso em você. Mais pro final do dia que pela manhã, mais naqueles dias que parecem poeira assentada e com mais força conforme o sol cai. Não são pensamentos escuros embora noturnos. São tão transparentes que até parecem de vidro. Vidro tão fino que, quando penso mais forte, parece que vai quebrar em cacos, o pensamento que penso de você.
Se não fosse dormir sempre com a cabeça tão cheia, acho que esses pensamentos quase doeriam quando, durante a noite, se transformassem em milhares de cacos espalhados nos lençóis. E esses pedaços refletiriam partes da nossa história. Algumas ferem, mesmo as que são bonitas. Parecem filme, livro, quadro. Não doem porque não ameaçam. Nada que eu penso de você ameaça. Durmo pesado. O vidro nunca quebra.
Daí penso coisas bobas quando, através da janela do carro, depois de trabalhar o dia inteiro, me pego olhando pro lado de fora. Deixo a paisagem correr e penso um pouco mais em você. Quando o transito está muito ruim, o que acontece quase todos os dias, para não me irritar tanto, descobri um jeito engraçado de continuar pensando em você. Procuro em cada um dos pedestres que cruzam meu caminho um pedaço seu. Quais tênis poderiam ser seus, quais roupas você jamais usaria, pra onde você estaria indo ou de onde estaria vindo se estivesse naquele lugar da cidade. E fico tão embalada que chego a apertar os olhos pra ter certeza de que aqueles tênis não são mesmo seus. Nunca vejo você.
Boas e bobas são as coisas que me fazem lembrar e pensar em você. Como quando você me fez andar e andar sem que eu soubesse para onde estávamos indo pra no final tomarmos um sundae delicioso, ou quando, saindo do cinema fomos comer salada de frutas num botequim. Tem ainda o filme alemão mal legendado que desistimos de entender no meio e o frio na barriga que tomou conta de mim a primeira vez que eu retornei uma ligação sua. Vivo com pudor de parecer ridícula, melosa, piegas, brega, romântica, pueril ou banal. Mas no que penso somos um pouco disso tudo, não tem jeito. Quando revivo os momentos no meu pensamento é tudo frágil como a voz de Olívia Byington cantando Villa-Lobos, mais perto de Mozart que de Wagner, mais Chagal que Van Gogh, mais Jarmusch que Win Wenders, mais Cecília Meireles que Nelson Rodrigues.
Tenho trabalhado tanto, por isso mesmo talvez ando pensando assim em você. Brotam espaços azuis quando penso. No meu pensamento, você nunca me critica por eu ser um pouco tola, meio inconstante na minha mania por constância, e penso então em tule nuvem castelo seda perfume brisa turquesa vime. E deito a cabeça no seu colo ou você deita a cabeça no meu, tanto faz, e ficamos tanto tempo assim que a terra treme e vulcões explodem e pestes se alastram e nós nem percebemos. Paradinhos no umbigo do universo.
Fecho os olhos, faz tanto bem, você não sabe. Suspiro tanto quando penso em você, e é tão freqüente. Ando mais devagar, certa que na próxima esquina, quem sabe. Não tenho tido muito tempo ultimamente, mas penso tanto em você que na hora de dormir de vez em quando até sorrio e fico passando a ponta do meu dedo no lóbulo da sua orelha e repito aquela nossa velha história em voz baixa... O sono chega me embalando e antes que eu me de conta já fui dormir. E o fino vidro dos meus pensamentos mais uma vez não se quebrou.